terça-feira, 16 de setembro de 2014

AS FACES DA CARIDADE




O bem deve vir ao mundo e feliz daquele por meio do qual ele vem.

A caridade é a virtude fundamental da Doutrina do Cristo. E por caridade, não quero me referir ao ato de piedade que se costuma fazer pelos que sofrem; antes quero tomá-la no seu sentido verdadeiro e amplo, grandioso mesmo, porque caridade significa amor.

A caridade é a virtude que nos leva a amar ao próximo como a nós mesmos, isto é, sem restrições.

Não penseis que é caridade tirar o dinheiro do bolso para depositá-lo no chapéu do desgraçado que se posta à beira do caminho pelo qual passamos. Isto é esmola.

A caridade não é ostensiva, não se impõe à gratidão de quem quer que seja. A caridade, sendo amor, só com idêntico sentimento poderá ser retribuída.

Caridade é o elo misterioso que prende as criaturas umas às outras, fazendo com que procurem entre si aplainar as dificuldades que constantemente surgem no caminho, sempre tão áspero, tão duro de trilhar!

Jesus, nos últimos momentos que esteve com os seus Discípulos, não se cansou de repetir: “Meus filhos, amai-vos uns aos outros, como eu vos amei. Pelo amor que tiverdes uns aos outros, reconhecerão todos que sois meus discípulos”. É o seu último mandamento.

Não se pode ser caridoso, ou antes amoroso, sendo maldizente. Aquele que ama não pode comprazer-se em dilacerar com os dentes o objeto do seu amor.

Todo aquele que não reage contra a própria inferioridade e se entrega com deleite à maledicência é indigno de fazer parte de uma comunidade de simples cidadãos, quanto mais de umbandistas!

Santo Agostinho tinha em tal horror os mexeriqueiros que mandou escrever na parede do refeitório do seu mosteiro, em letras garrafais, os seguintes dizeres: “Aquele que se compraz em destruir a reputação alheia saiba que é indigno de sentar-se a esta mesa”.

Imaginai agora o que se poderá pensar de um que não contente de se meter com a vida privada dos outros, ainda se julga com o direito de julgá-lo e condená-lo! E comumente trata-se de pessoas às quais se deverá repetir as palavras de Cristo: “Hipócrita, enxergas o argueiro no olho do teu vizinho e não vês a trave no teu olho”!

A caridade nos leva a ver em cada um dos nossos semelhantes uma perfeita reprodução de nós mesmos; neste caso, tudo o que devemos almejar é que cada um obtenha exatamente aquilo que nos satisfaz e nos torna felizes.

Ninguém gosta de ver os seus próprios sentimentos, mesmo os mais inferiores, espezinhados pela turba inconsciente; não é de um perfeito Cristão humilhar aquele que, por fraqueza ou fatalidade, é digno de lástima e que pelas circunstâncias a que foi arrastado vive em contínua humilhação.

O homem é realmente o pior dos animais, porque é o único que se serve da língua para ferir o seu semelhante. Se assim não fosse, como a humanidade seria feliz! Porque se a língua é instrumento que às vezes consegue ferir de morte, também é verdade incontestável que pode com uma só palavra levantar o desgraçado que não tem mais ânimo para reagir.

Uma boa palavra, pronunciada no momento oportuno, pode levar a felicidade a milhares de criaturas; uma palavra má pode destruir uma cidade inteira.

Se a caridade fosse uma virtude perfeitamente enraizada no coração dos homens, este mundo deixaria de ser o lugar de provação para ser o paraíso por que todos anseiam.

Não imaginemos que somos os únicos detentores da Verdade e não amesquinhemos a forma diferente de amor a Deus dos nossos semelhantes, julgando a nossa elevada e a deles inferior.

Tenhamos uma grande fé no poder da caridade; pensemos sempre na nossa inferioridade sem par, quando quisermos ferir os nossos irmãos com os nossos pensamentos, atos ou palavras; façamos um grande esforço para atrair sobre nós um doce olhar de Jesus e creio que conseguiremos vencer o nosso pequenino “eu” mesquinho, esmagando-o, reduzindo-o a nada, mostrando-nos a nós mesmos tais quais somos, fazendo ressaltar as nossas grandes imperfeições, todas as vezes que quisermos arrogar-nos o direito, que só cabe à Divindade, de julgar os nossos semelhantes.

Amemo-nos uns aos outros. Só cumprindo o mandamento do Cristo é que poderemos ser dignos dele.












(José Alvares Pessoa – Revista “O Semanário” – 1944)

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