quarta-feira, 27 de março de 2019

CONSELHOS DE PRETO VELHO










À noite, quando a maioria das pessoas estão dormindo, diversas falanges espirituais se desdobram em trabalhos socorristas de assistência à humanidade encarnada. Devido ao sono, a queda natural do metabolismo e das ondas cerebrais, o corpo espiritual desprende-se naturalmente do corpo físico.

Aproveitando-se desse fato natural e inerente a todo ser humano muitos amigos espirituais trabalham nessa hora da noite retirando essas pessoas do seu corpo físico, dando um toque sensato a elas diretamente em espírito, ou, simplesmente, trabalhando as energias do assistido com mais liberdade a partir do plano espiritual da vida.

Um dia desses, durante um trabalho de assistência, estava conversando com um preto-velho, que responde nas lidas de Umbanda, pelo nome de pai José da Guiné. Segue o diálogo:

- Pai José, esse trabalho de assistência na madrugada é enorme, não? O médium umbandista muitas vezes nem imagina o tamanho dele, não é mesmo?

- É sim fio. Trabalho grande, toda noite. Mas são poucos que lembram da espiritualidade dia a dia e mantém sintonia elevada antes de dormir. Isso acaba por barrar as possibilidades de trabalho em conjunto conosco, você sabe disso. A maioria dos médiuns por aí pensam que o único dia de trabalho espiritual é o dia de trabalho no terreiro. É uma pena.

- É verdade, as pessoas tendem a se preparar muito para o dia de trabalho no terreiro, mas esquecem dos outros dias.

- Preparar? Muitas vezes eles nem se preparam fio. A maioria chega lá cheia de problemas e preocupações na cabeça. Dá um trabalhão danado acoplar na aura toda encardida de pensamentos e sentimentos estranhos deles. E nego num tá falando que preparação é tomar um banho de erva antes do trabalho, não...

- Ué, mas o banho de erva é importante, não é pai?

- É, claro que é. Mas num é tudo. Antes do banho de erva, seria melhor um banho de bom humor, com folhas de tranquilidade e flores de simplicidade, hehehe... Isso sim ajudaria. Num adianta colocar roupa branca, defumar, tomar banho, se o coração tá sujo, se a boca maldiz, se o rosto está sem alegria e o espírito apagado. Limpeza interna fio, antes de limpeza externa...

- Tá certo... - Tá certo, mas você muitas vezes num faz isso né? Hehehe... Tudo bem, todo mundo tem lá seus dias ruins, o problema é quando isso se torna constante. Fio, a Umbanda é muito rica em rituais, em expressões exteriores de alegria e culto a divindade. Mas isso deve ser utilizado sempre como uma forma de exteriorizar o que de melhor trazemos dentro de nós. Não uma fuga do que carregamos aqui dentro. Volta seus olhos pra dentro e lá presta culto aos Orixás. Só depois disso, canta e dança...

- Quando estiver participando de um trabalho, esteja por inteiro, em corpo físico, coração e mente. Não faça das reuniões espirituais um encontro social. Antes de começar os trabalhos, medita, ora, entra em sintonia com o trabalho que já está acontecendo. Durante os cantos, busca a sintonia com os Orixás. Nesse momento, você e Eles não estão separados pela ilusão da matéria. Tão juntos. Em espírito e verdade...

- Acompanha as batidas do atabaque e faz elas vibrarem em todo seu ser. Defuma seu corpo, mas defuma também sua alma, queimando naquela brasa seu ego, sua vaidade, seu individualismo, que lhe cega os sentidos.

- Trabalha, aprende, louva, cresce meu fio. Mas o mais importante: Leva isso pra fora do terreiro! Lá dentro, todo mundo é filho de pemba, todo mundo tá de branco, todo mundo ama os Orixás...

- Mas aqui fora, logo na primeira dificuldade, duvidam e esquecem dos ensinamentos lá recebidos. Aqui fora, num tem caridade, fraternidade, Orixá, espiritualidade. Mas a Lei de Umbanda não é pra ficar contida no terreiro. A Lei de Umbanda é pra estar presente em cada ato nosso. Em cada palavra, em cada expressão de nosso ser...

- Percebe fio? Você é médium o tempo todo, não só no dia de trabalho, mas todo dia. Você é médium até quando tá dormindo...hehehe

Pai José fez uma pausa e eu fiquei a pensar a respeito da responsabilidade do trabalho mediúnico. De quantos médiuns por aí nem tinham ideia do trabalho espiritual que as muitas correntes de Umbanda desenvolvem. De como, a vivência de terreiro, demandava uma mudança interior, uma postura diferente em relação à vida. Enquanto pensava a respeito, pai José disse:

- É por aí mesmo fio. A partir do momento que a pessoa internaliza os valores espirituais, um novo mundo, cheio de novas perspectivas surge. Novas ideias, novos ideais. Uma forma diferente de encarar a vida. Esse é o resultado do trabalho. A caridade não é mais uma obrigação, mas torna-se natural e inerente ao próprio ser, assim como a respiração. A sintonia acontece esteja onde ele estiver, carregando consigo a Lei da Sagrada Umbanda em seu coração...

- Lembre-se: Aruanda não é um lugar! Aruanda é um estado de espírito... Você a carrega para onde for. Isso é trabalho. Isso é sacerdócio. Isso é viver buscando a espiritualização...

- Por isso, meu fio, faz de cada trabalho espiritual que você participar um passo em direção a esse caminho. Um passo em direção a unidade com o Orixá. Cada reunião, um passo... Sempre!










quarta-feira, 20 de março de 2019

AUTO PIEDADE








Nascido em Ituiutaba-MG, a vida do médium Jerônimo Mendonça (1939-1989) foi um exemplo em superação de limites. Totalmente paralítico há mais de 30 anos, sem mover nem o pescoço, cego há mais de 20 anos, com artrite reumatóide que lhe dava dores terríveis no peito e em todo o corpo, ele era levado por mãos amigas pelo Brasil afora, para proferir palestras. Foi tão grande o seu exemplo que foi apelidado de “O Gigante Deitado” pelos amigos e pela imprensa.

Houve uma época, em meados de 1960, quando ainda enxergava, que Jerônimo quase desencarnou. Uma hemorragia acentuada, das vias urinárias, o acometeu. Estava internado num hospital de Ituiutaba quando o médico chamou seus companheiros espíritas que ali estavam e lhes disse que o caso não tinha solução. A hemorragia não cedia e ele ia desencarnar:

- Doutor, será que podemos pelo menos levá-lo até Uberaba, para se despedir de Chico Xavier? Eles são muitos amigos.

- Só se for de avião. De carro ele morre no meio do caminho.

Um de seus amigos tinha avião. Levaram-no para Uberaba. O lençol que o cobria era branco. Quando chegaram a Uberaba, estava vermelho, tinto de sangue. Chegaram à Comunhão Espírita, onde Chico trabalhava. Naquela hora ele não estava, pois participava de um trabalho de peregrinação e visita fraterna, levando o pão e o evangelho aos pobres e doentes. Ao chegar, vendo o amigo vermelho de sangue disse:

- Olha só quem está nos visitando. O Jerônimo. Está parecendo uma rosa vermelha! Vamos todos dar uma beijo nessa rosa, mas com muito cuidado para ela não despetalar.

Um a um os companheiros passavam e lhe davam um suave beijo no rosto. Ele sentia a vibração da energia fluídica que recebia em cada beijo. Finalmente, Chico deu-lhe um beijo, colocando a mão no seu abdome, permanecendo assim por alguns minutos. Era a sensação de um choque de alta voltagem saindo da mão de Chico, o que Jerônimo percebeu. A hemorragia parou.

Ele que, fraco, havia ido ali se despedir, para desencarnar, acabou fazendo a explanação evangélica, a pedido de Chico, e em seguida veio a explicação:

- Você sabe o porquê desta hemorragia, Jerônimo?

- Não, Chico.

- Foi porque você aceitou o coitadinho. Coitadinho do Jerônimo, coitadinho. Você desenvolveu a auto piedade. Começou a ter dó de você mesmo. Isso gerou um processo destrutivo. O seu pensamento negativo fluidicamente interferiu no seu corpo físico, gerando a lesão. Doravante, Jerônimo, vença o coitadinho. Tenha bom ânimo, alegre-se, cante, brinque, para que os outros não sintam piedade de você.

Ele seguiu o conselho. A partir de então, após as palestras, ele cantava e contava histórias hilariantes sobre as suas dificuldades. A maioria das pessoas esquecia, nestes momentos, que ele era cego e paralítico. Tornava-se ele, portanto, igual aos sadios.

Jerônimo sobreviveu quase 30 anos após a hemorragia e venceu o coitadinho. Que essa história nos seja um exemplo, para que nos momentos difíceis tenhamos bom ânimo, vencendo a nossa tendência natural de auto piedade e esmorecimento.











sexta-feira, 8 de março de 2019

HORA DE TRABALHAR






Desnecessário dizer que o esforço em prol do bem deve ser incessante. Desnecessário porque vocês já sabem das orientações todas enviadas daqui para a esfera dos homens. Compete a todos - a vocês, principalmente - observar que o trabalho com o Cristo, embora conte com o beneplácito da paciência do lado de cá, espera o incansável e inadiável comprometimento. A todo instante vocês devem pensar no quanto os necessitados aguardam sua boa vontade, em quantas pessoas estão em situação de carência, caminhando ao seu lado para despertar-lhes os sentimentos de caridade e fraternidade que deve unir os homens em torno de um só objetivo.

Abram os olhos!

Oh, amigos, as lágrimas e as dores são tantas, a fome acomete a tantas pessoas, a carência de luz ante as trevas que prendem muitos homens na ignorância é tão grande!... É a vocês que já sabem do Cristo e das divinas verdades que eles procuram! É de vocês que deverá partir a iniciativa do auxílio. Nós apenas nos utilizaremos de sua disposição, porquanto não podemos agir sozinhos, posto ser preciso que vocês adquiram méritos. Não percam tempo, portanto; o trabalho não espera, ante o muito por fazer, e, se não contarmos com vocês, outros poderão ser instrumentos mais maleáveis.

O Pai, o Senhor Supremo de nossas vidas, aquele que todos os dias renova nossas oportunidades, por conhecer nossa capacidade, espera que saibamos despertar da indolência e colaborar na tarefa do aprimoramento de Sua obra, na Terra e em toda parte.

Olhem para os lados, para a frente e, como o Cristo convida, peguem da charrua para continuar a semeadura, confiantes em que a colheita será sempre proveitosa para quem decide trabalhar sem esperar recompensas. A hora é esta. A necessidade de uns é preenchida quando se pensa na necessidade dos outros. Vamos caminhar. Vamos trabalhar. Vamos?







segunda-feira, 4 de março de 2019

A OITAVA LÁGRIMA








Ah! A Oitava Lágrima.

A oitava lágrima eu vi rolar dos olhos do Caboclo de Aruanda. E então, perguntei: E essa lágrima, meu pai, o que significa?

Ele então me respondeu com a voz embargada e cheia de pesar:

“Essa lágrima, meu filho, é a mesma que desceu dos olhos do Cristo quando encontrou o querido Lázaro no túmulo.

Ela desce queimando minha face, como o sangue que desceu lá no Calvário, da cabeça divina coroada de espinhos.

Essa lágrima representa a dor e a tristeza que invade os corações de todos os Caboclos de Aruanda.

A dor em ver tantos filhos de fé retribuindo com ingratidões todos os favores a eles dispensados. Em receber em troca do amor que lhes dou, muitas flechadas embebidas no fel da discórdia e da descrença.

Representa o sofrimento em receber nas mãos os cravos da injúria daqueles que, negando a mensagem de Jesus, levantam falsas palavras contra o meu carinho e afago.

É a lágrima que ofereço aos filhos que me abandonam na jornada e na difícil tarefa de apascentar as ovelhas perdidas do Senhor.

É a lágrima que jorra todos os dias em favor dos médiuns que não aplicam seus corações nos ensinamentos que o Pai determina que eu lhes dê.

Entrego em favor dos filhos que vêm para esse pequeno paraíso, a Tenda de Umbanda, com os corações e as mentes cheios de espinhos e abrolhos que a terra seca produz.

Aos que, cegos, não conseguem ver a beleza e a pureza que, dia após dia, permito que vejam dentro do Congá o qual purifico e perfumo com as essências da caridade e do perdão.

Desce, porque sinto o peso da cruz do Nazareno e não encontro nenhum Simão para me ajudar a levantar da terra e a continuar firme em direção ao alvo que Deus, nosso Pai, quer levar a todos.

Enxuga-me os olhos, filho.

E me presenteie com o seu amor”.