O texto abaixo foi
publicado em Novembro de 2008, no Jornal de Umbanda Sagrada em sua edição
comemorativa dos 100 anos de Umbanda.
Ramatis é o nome da entidade, de origem
oriental, que psicografava por Hercílio Maes, tinha uma proposta
espírita/kardecista, no entanto por abordar questões como a Magia (Magia de
Redenção), a Vida no Planeta Marte, a Vida de Jesus (O Sublime Peregrino) e a
Umbanda tornou-se um autor polêmico no meio espírita, aceito apenas por adeptos
menos ortodoxos. É o mesmo caso da obra de Rochester, na pena da médium russa
Wera Krijanowskaia, final do séc. XIX, que enfrenta a mesma polêmica por
adentrar o mundo do fantástico e da magia.
Assim como hoje a obra de Robson Pinheiro
enfrenta a mesma polêmica em seus meio de origem, este mesmo espiritismo, por
abordar Umbanda e também algumas realidades mais “baixas”, nas faixas
vibratórias chamadas de trevas em seus títulos publicados pela Editora Casa dos
Espíritos (Tambores de Angola, Aruanda, Legião e outros.).
No Livro dos Espíritos
Kardec é claro no que se refere a magia como vemos abaixo:
551. Pode um homem mau,
com o auxilio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, fazer mal ao seu
próximo?
“Não; Deus não o
permitiria.”
553. Que efeito podem produzir as
fórmulas e prática mediante as quais pessoas há que pretendem dispor do
concurso dos Espíritos?
“O efeito de torná-las
ridículas, se procedem de boa-fé. No caso contrário, são tratantes que merecem
castigo. Todas as fórmulas são mera charlatanaria. Não há palavra sacramental
nenhuma, nenhum sinal cabalístico, nem talismã, que tenha qualquer ação sobre
os Espíritos, porquanto estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas
coisas materiais.”
a) – Mas, não é exato que alguns
Espíritos têm ditado, eles próprios, fórmulas cabalísticas?
“Efetivamente, Espíritos
há que indicam sinais, palavras estranhas, ou prescrevem a prática de atos,
por meio dos quais se fazem chamados conjuros. Mas, ficai certos de que são
espíritos que de vós outros escarnecem e zombam da vossa credulidade.”
Se para o Espiritismo
radical estes autores não se enquadram inteiramente na codificação de Kardec,
onde a magia é colocada de lado, no entanto foram lidos e apreciados por
umbandistas, que sempre buscaram explicações para sua religião e sua magia á
luz do Espiritismo.
Numa outra oportunidade
podemos analisar a magia de Ramatis e Rochester, aqui vamos buscar algumas
considerações de Ramatis sobre a Umbanda na obra Missão do Espiritismo,
concluída em 1967, onde tece elucidações sobre o Espiritismo em comparação
com outras religiões e filosofias. O maior de todos os capítulos é justamente
dedicado a Umbanda, com 69 páginas (Rio de Janeiro: Ed. Livraria Freitas
Bastos, 1996). Vejamos algumas destas considerações feitas por Ramatis
lembrando que ele escreve à partir de sua época, médium e contexto:
A Umbanda é como um grande edifício sem
controle de condomínio, onde cada inquilino vive a seu modo e faz o seu
entulho! Em conseqüência, o edifício mostra em sua fachada a desorganização
que ainda lhe vai por dentro! As mais excêntricas cores decoram as janelas ao
gosto pessoal de cada morador; ali existem roupas a secar, enfeites exóticos,
folhagens agressivas, bandeiras, cortinas, lixo, caixotes, flores, vasos,
gatos, cães, papagaios e gaiolas de pássaros numa desordem ostensiva.
Debruçam-se nas janelas criaturas de toda cor, raça, índole, cultura, moral,
condição social e situação econômica, enquanto ainda chega gente nova trazendo
novo acervo de costumes, gostos, temperamentos e preocupações, que em breve
tentam impor aos demais.
Malgrado a barrafunda
existente, nem por isso é aconselhável dinamitar o edifício ou embargá-lo,
impedindo-o de servir a tanta gente em busca de um abrigo e consolo para viver
a sua experiência humana. Evidentemente, é bem mais lógico e sensato firmar as
diretrizes que possam organizar a vivência proveitosa de todos os moradores me
comum, através de leis e regulamentos formulados pela direção central do
edifício, e destinados a manter a disciplina, o bom-gosto e a harmonia
desejáveis! (p.130-132)
É provável que alguns
entendidos do hermetismo egípcio e da escolástica hindús pretendam provar que a
atual doutrina umbandística provenha diretamente do sentido original e
iniciático de Umbanda, como a “Lei Maior Divina” subentendida nas velhas
iniciações. Mas a verdade é que entre os africanos, a sonância de tal palavra
nada tinha de iniciática ou significação de legislação cósmica; porém,
abrangia a vulgaridade das práticas mediúnicas fetichistas , no
intercâmbio ritualístico com espíritos
primários e elementais da natureza, assim como toda sorte de sortilégios,
crendices e cultos aos mortos!
(...) Assim, as relações
mediúnicas com espíritos de índios, caboclos, pretos e congêneres, nas prática
ritualísticas dos terreiros e conhecidas como de Umbanda, só significam seita,
doutrina ou movimento religioso com atividades mediúnicas de origem africana,
num sentido exclusivamente benfeitor e oposto ao que se presume ser
Quimbanda!
Apesar do louvável empenho
dos umbandistas em atribuírem a origem de sua seita a fontes iniciáticas do
Egito, da Caldéia ou da Índia, o certo é que a doutrina de Umbanda, atualmente
praticada no Brasil, deriva fundamentalmente do culto religioso da raça negra
da velha África. Os seus princípios doutrinários não se vinculam à magia ou
escolástica de qualquer ramo iniciático ou bastardo das religiões e cultos
egípcios, hindus, caldaicos, assírios ou gregos. Eles são realmente frutos do
“folclore”, dos provérbios, aforismos, das lendas, crenças populares, canções e
tradições do negro africano. O vínculo do negro persiste implacável, apesar da
penetração do branco e das tentativas dos ocidentais considerarem a Umbanda uma
seita exclusivamente originária de antigas confrarias do Oriente.(p.136)
Indubitavelmente, a
Umbanda, como seita, ainda não passa de uma aspiração religiosa algo
entontecida , mas buscando sinceramente uma forma de elevada representação no
mundo. Não apresenta uma unidade doutrinária e ritualística conveniente, porque
todo “terreiro” adota um modo particular de operar e cada chefe ou diretor
ainda se preocupa em monopolizar os ensinamentos pelo crivo de convicção ou
preferência pessoal. Mas o que parece um mal indesejável, é conseqüência
natural da própria multiplicidade de formas, labores e concepções que se
acumulam prodigamente no alicerce fundamental da Umbanda!
Aqueles que censuram essa
instabilidade muito própria da riqueza e variedade de elementos formativos
umbandísticos, são maus críticos, que devido à facilidade de colherem frutos
sazonados em numa laranjeira crescida, não admitem a dificuldade do vizinho
ainda no processo de semeadura!(p.130)
(...) Apesar dessa
aparência doutrinária heterogênea, existe uma estrutura básica e fundamental
que sustenta a integridade da Umbanda, assim como um edifício sob a mais
flagrante anarquia dos seus moradores mantém-se indestrutível pela garantia do
arcabouço de aço!
Da mesma forma, o edifício
da Umbanda, na Terra, continua indeformável em suas “linhas
mestras”...(p.131)
(...) Os mentores da
Umbanda, no momento, preocupam-se em eliminar as práticas obsoletas ,
ridículas, dispersivas e até censuráveis, que ainda exercem os umbandistas
alheios aos fundamentos e objetivo espiritual da doutrina. Sem dúvida, uns
adotam excrecências inúteis e abusivas no rito e características doutrinárias
de Umbanda, por ignorância, alguns por ingenuidade e outros até por vaidade ou
interesse de impressionar o público! Inúmeras prática que, de inicio, serviram
para dar o colorido doutrinário, já podem ser abolidas em favor do progresso e
higienização dos “terreiros”!(p.132)
Esta é a palavra de
Ramatis, direta e franca sob o seu ponto de vista, escrito na década de 60,
ainda hoje encontramos muito o que ele critica na postura do umbandista e faço
crer que estamos caminhando para uma melhora no sentido de entender o que é e
como praticar a Umbanda.
Muito provavelmente não vamos caminhar
para uma unidade doutrinária de Umbanda, no entanto é possível caminharmos para
uma conscientização do que é a pratica de Umbanda.
O Consenso da data de 15
de Novembro de 2008 como centenário da Umbanda já apresenta um grande
progresso, pois possibilita remontar a história material da Umbanda no Brasil,
independente de suas origens culturais, espirituais e míticas. Já não se fala
mais em seita ou movimento umbandista, a Umbanda é uma religião concreta, nova
e brasileira.
Assim como o cristianismo
tem vários segmentos cristãos (Catolicismo, Luteranismo, Metodista,
Presbiteriano, Pentecostal etc.) a Umbanda também tem linhas doutrinárias
variadas que muitas vezes se definem como Umbanda Branca, Umbanda Esotérica,
Umbanda Trançada, Umbanda de Caboclo e outras, no entanto existe o que Ramatis
chamou de estrutura básica e fundamental que sustenta a integridade da Umbanda
que é em si a essência da Umbanda, onde se alicerçam os estudos Teológicos de
Umbanda como ponto de partida ou paradigma para entender suas várias, outras,
expressões.
A fonte deste texto é:
Jornal de Umbanda Sagrada, comemorativo dos 100 anos de Umbanda. Ano 9, Edição
102, Novembro de 2008, página 15.
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