domingo, 11 de agosto de 2019

A HERANÇA ESPIRITUAL DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL







  

As sequelas espirituais deste período de repressão e humilhação são subestimados ,

Durante muitos anos de trabalho em grupos mediúnicos nos deparamos, muitas vezes, com espíritos que em sua última encarnação foram negros escravos no Brasil. São, em quase sua totalidade, grupos relativamente grandes, unidos por experiências de extremo sofrimento moral e físico. 

Como de praxe nesses casos, algozes e vítimas permanecem aprisionados na atmosfera psíquica de suas vivências, recapitulando-as incessantemente. Ao dialogarmos com esses irmãos, em meio ao ódio e ao desespero encontramos também uma imensa prostração das forças morais, uma tristeza profunda nascida da desesperança. Essas experiências nos fizeram perceber quão subestimada é a herança espiritual da escravidão no Brasil. 

Uma rápida incursão na literatura um pouco mais especializada e para além dos livros escolares já nos dá uma noção das proporções do problema. Na literatura espírita, “Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho”, também permite entrever a gravidade dessa questão. 

É desnecessário nos alongarmos sobre a posição da Doutrina Espírita quanto ao tema da escravidão, mas apenas como exemplo, vejamos a questão 831 de “O Livro dos Espíritos”: 

Pergunta: A desigualdade natural das aptidões não coloca certas raças humanas sob a dependência das raças mais inteligentes? 

Resposta: Sim, mas para que estas as elevem, não para embrutecê-las ainda mais pela escravização. Durante longo tempo, os homens consideram certas raças humanas como animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se julgaram com o direito de vender os dessas raças como bestas de carga. Consideram-se de sangue mais puro os que assim procedem. Insensatos! Nada vêem senão a matéria. Mais ou menos puro não é o sangue, porém o Espírito. (361-803) 

Porém, é oportuno lembrar que o nascente movimento espírita brasileiro, através de suas instituições e representantes ilustres tais como Adolfo Bezerra de Menezes e Francisco Leite de Bittencourt Sampaio, contribuiu para o movimento abolicionista. Por exemplo, A. B. de Menezes, em se referindo à escravidão, pergunta: 

“Pode haver paz e felicidade para as famílias enquanto guardarem elas em seu seio essa cratera ardente que lhes requeima sempre a flor da inocência e da virtude de seus filhos?” 

Ou ainda, no “Reformador”: 

“Substituir o regime da liberdade, dom divino, pelo da escravidão, abuso da força sobre a fraqueza, menos não é do que contrariar o código de leis absolutas; a nós compete pôr, fielmente, em execução este código” (Reformador, 01 de janeiro de 1887). 

Mas, se nós espíritas contribuímos para a extinção da escravidão no plano encarnado, temos contribuído igualmente para a devida cura de suas sequelas espirituais? Nossas reuniões mediúnicas tem acolhido fraternalmente esse particular grupo de Espíritos? Temos coração e entendimento abertos às suas histórias de vida? Receio que, via de regra, o preconceito e a desconfiança ainda permeiem o atendimento a esses irmãos. Neste aspecto, como em muitos outros, ainda não nos portamos a altura da doutrina que ora professamos, permitindo que a discriminação que ainda grassa na sociedade contamine a seara espírita. 

Refletindo sobre as causas dessas dificuldades penso que ao menos uma delas seja o receio, consciente ou não, de sermos confundidos com adeptos das religiões e cultos de origem africana. Como sabemos, é grande ainda a confusão na sociedade em geral a esse respeito. Ora, tal receio não deveria ser maior que o de sermos rotulados de católicos ou protestantes, mas, no entanto, creio que os Espíritos de padres e pastores desencarnados não sejam objeto de semelhantes prevenções quando comparecem à maioria das tarefas mediúnicas. Ironicamente, essa relutância – ou até mesmo omissão dos espíritas – pode, perfeitamente, ter contribuído para o surgimento da Umbanda, em cujas genuínas lides esses irmãos encontram guarida. 

Particularmente neste momento de transição espiritual urge estarmos atentos a todo o bem que possamos realizar. E os espíritas têm muito a contribuir para a quitação dessa dívida moral coletiva, que onera tão pesadamente a psicosfera do Brasil. 







(Texto de: André Luiz Malvezzi – Professor do Departamento de Física da UNESP/Ba

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