domingo, 11 de novembro de 2018

HISTÓRIAS DE TERREIRO





“Trinta e oito”, chamou Marisa, a Cambone que organizava a entrada para as consultas. Era a vez de Jaime.

O homem entrou, saudou o Caboclo e já ia começar a falar quando a entidade pediu que aguardasse primeiro o passe.

Enquanto “limpava” o consulente, o Caboclo notava energias densas, especialmente sobre o Chakra Frontal. Mas, com atenção e paciência, ia reequilibrando as energias do moço.

Paciência que Jaime não tinha muito no momento. Queria começar logo a falar e resolver o assunto. Mas, por um misto de respeito e temor, aguardou a finalização do trabalho.

“O que está acontecendo filho?” – perguntou o Caboclo.

Essa era a deixa que Jaime precisava. Agora poderia falar tudo aquilo que passara o dia ensaiando em sua angústia.

“Olha, seu Caboclo, eu preciso que o senhor resolva de uma vez o meu problema. Já faz quatro meses que eu venho aqui todas as semanas. Eu não falto. Faço tudo o que me mandam. Já tomei banho de ervas, coloquei uma Espada de São Jorge na entrada da minha casa. Até uma oferenda eu já fiz. Mas, nada acontece!”

“Continuo desempregado. As portas não se abrem. A vida parece que não anda. Não aguento mais, Seu Caboclo. Preciso que o senhor dê um jeito nisso. Preciso que o senhor me arrume um emprego”, finalizou Jaime.

Sensibilizado com a dor e a angústia de Jaime, o Caboclo depositou um olhar brando sobre o homem. Podia perceber naquele momento os sentimentos de medo, fracasso e desespero que tocavam a alma do rapaz.

Mas, acima de tudo, o Caboclo entendia a necessidade daquela dor. E sabia que havia uma diferença entra aquilo que o Jaime queria e aquilo que ele precisava. Por isso, em tom acolhedor, mas com firmeza na voz o Caboclo perguntou:

“Moço, o senhor sempre foi acolhido com respeito e carinho nessa casa”?

Jaime, apesar de não entender a pergunta, assentiu que sim com a cabeça.

“E o que os Guias têm falado para o senhor aqui”?

Ainda confuso com as perguntas, Jaime respondeu: “Para eu ter confiança, para não desistir de lutar e para ter paciência”.

Jaime já ia falar que estava lutando e se esforçando para arrumar um emprego, mas antes que o homem continuasse, o Caboclo ainda perguntou: “Filho, alguma vez, algum Guia te falou que ia arrumar um emprego para você? Algum Guia falou para você ficar parado esperando que Ele que iria abrir as portas para você”?

Agora, um tanto sem graça, Jaime respondeu timidamente: “Não senhor, seu Caboclo. O que eu sempre ouvi aqui foi que as coisas aconteceriam no tempo certo”.

“Pois é isso, filho. Assim é a Umbanda. Um lugar onde as pessoas são recebidas com acolhimento e respeito, independente de cor, religião, classe social ou preferências sexuais. Um lugar para os filhos se fortalecerem emocionalmente e encontrarem as forças para lutar cada batalha da vida”.

“Na Umbanda, o milagre acontece de dentro para fora e não de fora para dentro. O papel dos Guias de Lei é ajudar os filhos a resolverem os seus problemas e não resolver os problemas para eles”.

“Quando é de merecimento, amparados pela Lei Maior e pela Justiça Divina, os Guias, através da magia, movimentam as Forças da Natureza para ajudar os filhos na caminhada. Mas, para tudo existe algo indispensável: o Tempo”.

“Cada coisa acontece no seu tempo. No tempo do Pai e não no tempo que queremos que as coisas aconteçam. Assim é a Lei.”

Nesse momento, Jaime já estava muito mais tranquilo. Dentro dele, a voz de sua consciência reconhecia a verdade nas palavras do Caboclo. O homem ansioso da chegada, agora até esboçava um sorriso.

Jaime não podia ver, mas agora as suas energias estavam equilibradas. Ele estava de novo pronto para enfrentar as suas batalhas. Fortalecido para enfrentar os seus próprios medos e seguir renovado em sua autoconfiança.

Em reverência, beijou as mãos do Caboclo e agradeceu com um sorriso antes de sair.

O Caboclo com seu semblante sério e firme também sorria por dentro. Estava feliz com aquela conversa. Tinha cumprido a sua missão. Feito o que um Guia deve fazer: ajudado o filho em sua compreensão espiritual. Tinha trabalhado como instrumento da Lei Maior e da Justiça Divina.

Em instantes, o Caboclo iniciaria um novo atendimento. Mas, ainda pôde ver um Guardião de Ogum ao lado do filho que ia saindo do Congá. Novamente sorriu por dentro.

Os caminhos materiais do homem estavam abertos. Jaime, por fim, tinha compreendido a lição que a vida estava lhe trazendo. Ao chamar para si a responsabilidade pelos seus resultados, saindo da vitimização, abriu caminho para que as Forças da Natureza atuassem em seu favor.















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