terça-feira, 26 de setembro de 2017

CONVERSA DE PRETO VELHO







À noite, quando a maioria das pessoas estão dormindo, diversas falanges espirituais se desdobram em trabalhos socorristas de assistência à humanidade encarnada. Devido ao sono, a queda natural do metabolismo e das ondas cerebrais, o corpo espiritual desprende-se naturalmente do corpo físico.

Aproveitando-se desse fato natural e inerente a todo ser humano muitos amigos espirituais trabalham nessa hora da noite retirando essas pessoas do seu corpo físico, dando um toque sensato a elas diretamente em espírito, ou, simplesmente, trabalhando as energias do assistido com mais liberdade a partir do plano espiritual da vida.

Um dia desses, durante um trabalho de assistência, estava conversando com um preto-velho, que responde nas lidas de Umbanda, pelo nome de pai José da Guiné. Segue o diálogo:

- Pai José, esse trabalho de assistência na madrugada é enorme, não? O médium umbandista muitas vezes nem imagina o tamanho dele, não é mesmo?

- É sim fio. Trabalho grande, toda noite. Mas são poucos que lembram da espiritualidade diadia e mantém sintonia elevada antes de dormir. Isso acaba por barrar as possibilidades de trabalho em conjunto conosco, você sabe disso. A maioria dos médiuns por aí pensam que o único dia de trabalho espiritual é o dia de trabalho no terreiro. É uma pena.

- É verdade, as pessoas tendem a se preparar muito para o dia de trabalho no terreiro, mas esquecem dos outros dias.

- Preparar? Muitas vezes eles nem se preparam fio. A maioria chega lá cheia de problemas e preocupações na cabeça. Dá um trabalhão danado acoplar na aura toda encardida de pensamentos e sentimentos estranhos deles. E nego num tá falando que preparação é tomar um banho de erva antes do trabalho, não...

- Ué, mas o banho de erva é importante, não é pai?

- É, claro que é. Mas num é tudo. Antes do banho de erva, seria melhor um banho de bom humor, com folhas de tranquilidade e flores de simplicidade, hehehe... Isso sim ajudaria. Num adianta colocar roupa branca, defumar, tomar banho, se o coração tá sujo, se a boca maldiz, se o rosto está sem alegria e o espírito apagado. Limpeza interna fio, antes de limpeza externa...

- Tá certo... - Tá certo, mas você muitas vezes num faz isso né? Hehehe... Tudo bem, todo mundo tem lá seus dias ruins, o problema é quando isso se torna constante. Fio, a Umbanda é muito rica em rituais, em expressões exteriores de alegria e culto a divindade. Mas isso deve ser utilizado sempre como uma forma de exteriorizar o que de melhor trazemos dentro de nós. Não uma fuga do que carregamos aqui dentro. Volta seus olhos pra dentro e lá presta culto aos Orixás. Só depois disso, canta e dança...

- Quando estiver participando de um trabalho, esteja por inteiro, em corpo físico, coração e mente. Não faça das reuniões espirituais um encontro social. Antes de começar os trabalhos, medita, ora, entra em sintonia com o trabalho que já está acontecendo. Durante os cantos, busca a sintonia com os Orixás. Nesse momento, você e Eles não estão separados pela ilusão da matéria. Tão juntos. Em espírito e verdade...

- Acompanha as batidas do atabaque e faz elas vibrarem em todo seu ser. Defuma seu corpo, mas defuma também sua alma, queimando naquela brasa seu ego, sua vaidade, seu individualismo, que lhe cega os sentidos.

- Trabalha, aprende, louva, cresce meu fio. Mas o mais importante: Leva isso pra fora do terreiro! Lá dentro, todo mundo é filho de pemba, todo mundo tá de branco, todo mundo ama os Orixás...

- Mas aqui fora, logo na primeira dificuldade, duvidam e esquecem dos ensinamentos lá recebidos. Aqui fora, num tem caridade, fraternidade, Orixá, espiritualidade. Mas a Lei de Umbanda não é pra ficar contida no terreiro. A Lei de Umbanda é pra estar presente em cada ato nosso. Em cada palavra, em cada expressão de nosso ser...

- Percebe fio? Você é médium o tempo todo, não só no dia de trabalho, mas todo dia. Você é médium até quando tá dormindo...hehehe

Pai José fez uma pausa e eu fiquei a pensar a respeito da responsabilidade do trabalho mediúnico. De quantos médiuns por aí nem tinham ideia do trabalho espiritual que as muitas correntes de Umbanda desenvolvem. De como, a vivência de terreiro, demandava uma mudança interior, uma postura diferente em relação à vida. Enquanto pensava a respeito, pai José disse:

- É por aí mesmo fio. A partir do momento que a pessoa internaliza os valores espirituais, um novo mundo, cheio de novas perspectivas surge. Novas ideias, novos ideais. Uma forma diferente de encarar a vida. Esse é o resultado do trabalho. A caridade não é mais uma obrigação, mas torna-se natural e inerente ao próprio ser, assim como a respiração. A sintonia acontece esteja onde ele estiver, carregando consigo a Lei da Sagrada Umbanda em seu coração...

- Lembre-se: Aruanda não é um lugar! Aruanda é um estado de espírito... Você a carrega para onde for. Isso é trabalho. Isso é sacerdócio. Isso é viver buscando a espiritualização...


- Por isso, meu fio, faz de cada trabalho espiritual que você participar um passo em direção a esse caminho. Um passo em direção a unidade com o Orixá. Cada reunião, um passo... Sempre!











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