sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

UM CONTO DE PRETO VELHO



O dia amanheceu diferente.
Ao olhar o nascer do Sol, o vento, a temperatura e as pessoas, o dia parecia diferente.
Sentado na rua em frente ao trabalho, percebi essa diferença; percebi o pedreiro fazendo o cimento cabisbaixo, o lixeiro varrendo a rua solitário, o Sol brilhava menos, mal sentia o vento refrescar o rosto. Parecia que a escuridão tomava conta ainda do dia que se iniciava. O silêncio predominava.
Com este cenário, João, vendo tudo isso, sentado, fechou os olhos e num raro momento cochilou e sonhou.
No sonho, João se via descalço com roupas brancas no meio de um jardim que aos seus olhos parecia celestial. O Sol brilhava e uma suave brisa refrescava seu rosto. Ao analisar este cenário, avistou debaixo de uma árvore uma pessoa sentada. Ao fixar os olhos, percebeu que não era apenas uma pessoa, era um senhor de idade, negro, de barba e cabelos brancos. Ao se aproximar, observou que este senhor fumava calmamente um cachimbo, e sem fazer qualquer esforço parecia parte de todo aquele cenário. Chegando mais perto, observou a tranquilidade ímpar em suas feições, uma alegria e uma paz inexplicáveis sem ao menos esboçar um sorriso.
Meio tímido, João chegou a mais ou menos 5 metros desse senhor misterioso e sem saber o que falar, acenou. O senhor de barba branca, sem qualquer cerimônia falou:
- Como vai você filho?
João, meio sem jeito e sem saber o que falar, nada respondeu. O velho homem calmamente falou novamente:
- Venha cá meu filho; se aconchegue debaixo dessa tamarineira…
João, com medo e dúvida, foi e sentou-se sem nada a falar. E, por mais confuso que seus sentimentos estavam, ele sentia uma paz, um amor e principalmente uma confiança de que tudo estava bem.
O velho tornou a falar:
- Filho, você consegue enxergar a beleza desse lugar? A doçura, a harmonia das cores da natureza se misturando e trazendo em nossos pulmões o oxigênio cheio de amor?
- Sinto. Respondeu João com a voz baixa.
A nada mais foi dito durante um bom tempo, até que João, mais seguro, indagou ao velho negro:
- O que faço nesse lugar e quem é o senhor?
- Você se encontra num lugar chamado paz e fala comigo que sou você!
Confuso João pergunta:
- Como o senhor pode ser eu?
- Posso lhe provar isso filho?
- Pode? Respondeu João, confuso.
- Você não entende a vida, você não entende as pessoas à sua volta; você olha, observa, mas não vê o visível, você vê o invisível, você acredita que tudo na sua vida está de cabeça para baixo e você não sabe qual caminho tomar.
- Como o senhor sabe disso? Respondeu João.
- Sei porque sou você!
João pensou, pensou e falou com lágrimas nos olhos:
- Me ajude meu senhor, não sei mais que rumo tomar em minha vida. Estou perdendo a fé em Deus, estou perdendo a fé nas pessoas, minha vida profissional está de mal a pior e por mais que eu lute não consigo me entender e me unir com minha família, não consigo ver mais vida nas coisas simples da vida, não vejo mais motivo para nada! Há alguns anos minha vida é uma dificuldade tremenda!
Calmamente o Velho Negro deu um cachimbada e falou:
- Filho, você vê e sente o que você quer. Se desapegue desta denominação chamada dificuldade ou felicidade, entenda que nessa vida e em qualquer vida que você trilhar apenas existem aprendizados. Não existe momento ruim, existe aprendizado importante; Não existe momento bom, e sim um ensinamento aprendido.
Olhando nos olhos de João, o velho tornou a falar:
- A paciência não é um troféu a se conquistar, é simplesmente entender a si mesmo e entender o próximo. A humildade não é status que se tem, e sim o simples ato de ser você mesmo sem dogmas e sentimento mundanos. A caridade não é uma obrigação ou uma punição, é seu coração em sincronia com o Pai Maior.
Sem palavras, João ouvia atento as palavras daquele sábio velho negro e, sem hesitar, perguntou:
- O que devo fazer para melhorar?
O velho, com um tímido sorriso nos lábios, falou:
- Encare a vida com menos culpa, viva a vida com mais entusiasmo. Entenda que existe algo maior olhando e protegendo você e nunca se esqueça que na vida não existem erros nem acertos, muito menos caminhos errados ou  certos: existem apenas aprendizados importantes e lições aprendidas. Entendendo isso, meu filho, você não passará por esse laboratório de aprendizados chamado vida sem nada a aprender.
Com lágrimas nos olhos, João não sabia o que falar. Porém, nada mais precisava ser falado por ele, apenas deveria ouvir. E o velho negro com suas sábias palavras continuou:
-Filho, guarde essas palavras: olhe para seus atos e descruze os braços: vá à luta! Fazendo isso, você verá o Sol irradiante todos os dias; sentirá o frescor do ar em seu rosto e verá seu próximo como pessoas felizes e alegres; mas verá, principalmente, você mesmo mais luminoso e feliz.
Em um choro compulsivo João pediu a bênção ao velho negro e indagou:
- Obrigado, meu velho. E continuou:
- Posso voltar aqui mais vezes e posso ter a honra de saber o nome do senhor?
O velho negro com sua calma de sempre e a doçura nas palavras falou:
- Você pode voltar aqui várias vezes meu filho, pois hoje este lugar que você conheceu é seu coração, e meu nome é João.
Como se num susto, João despertou do cochilo e ficou a pensar e a pensar em tudo que aconteceu nesse sonho; por fim, pensou: “Mais um sonho maluco”.
Porém, quando tornou a olhar à sua volta, o dia não era mais estranho. Agora estava diferente: o Sol brilhava mais, o vento refrescava não apenas seu rosto, mas sua alma; o pedreiro não estava mais cabisbaixo. Agora, assobiava e o lixeiro que estava varrendo agora cantava sua canção preferida. Vendo tudo isso acontecer, João olhou para o céu e falou:
- Deus, obrigado pela oportunidade do aprendizado!
E com um grande sorriso nos lábios pensou: ” Aquele velho tinha razão”.
João viveu a vida com este aprendizado em mente até o dia de seu desencarne. E garante: não se arrependeu de nada do que aprendeu nessa vida.
Até hoje o espírito de luz chamado João procura o velho negro sábio que mudou sua vida; porém, mal ele sabe que era o próprio Deus lhe falando em seu próprio coração.
Agradeço hoje e sempre por ter ao meu lado está manifestação humana, porém divina, chamado carinhosamente por nós de Pretos velhos.
Adorei as almas!
















Nikolas Peripolli

Inspirado por meu amado Pai João de Angola.

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