Nos primeiros anos da
Umbanda, ainda no início do século XX, a repressão ao dito baixo espiritismo
era bastante intensa. A Maçonaria, a Umbanda, o Espiritismo de Kardec e
principalmente os cultos afro-brasileiros eram reprimidos com vigor. Pior ainda
durante o período da ditadura Vargas, quando a polícia agia violentamente, com
a justificativa de que a macumba tinha ligações com a subversão, servindo até
para dar cobertura a grupos comunistas, segundo relatos da época. Uma lei
datada de 1934 colocou todos esses grupos sob a jurisdição do Departamento de
Tóxicos e Mistificações da Polícia do Rio de Janeiro, na seção especial de
Costumes e Diversões, que lidava com problemas relacionados com álcool, drogas,
jogo ilegal e prostituição. Praticar a Umbanda era então uma atividade
marginal! (perdurou com tal classificação até a reorganização do Departamento
de Polícia do Rio, em 1964)
Essa mesma lei de 1934
gerou uma situação dúbia: se o registro na polícia permitia aos terreiros a
prática legal, concretamente, servia para facilitar a ação das autoridades,
aumentando a possibilidade de intimidação e extorsão. Registrados ou não, os
umbandistas e demais praticantes de cultos afro-brasileiros ficavam expostos à
severa perseguição policial do Rio. Não era difícil ver a polícia invadir e
fechar terreiros, confiscando objetos rituais, e muitas vezes prendendo os
participantes. Benjamin Figueiredo, Zélio Fernandino de Moraes e muitos outros
foram presos diversas vezes nesse período.
Mas havia um “modelo” que
vinha conquistando seu espaço na sociedade brasileira: A Federação Espírita
Brasileira (FEB), fundada desde 1º de janeiro de 1884. Nos anos 30, esta já
conseguira se firmar como legítima representante do Espiritismo no Brasil, unificando,
fortalecendo e tornando coesas as Casas espíritas.
O simbolismo que carrega o
vocábulo “federação”, como ideia de unidade nacional, servia ao discurso da Era
Vargas, que naqueles tempos já via com bons olhos a religião espírita, como
mais uma fonte de pacificação e, principalmente, controle das massas pela elite
“branca” da sociedade.
Tentando se livrar do
estigma marginal dos feiticeiros, iniciou-se um claro movimento por uma auto
identificação dos umbandistas com o Kardecismo e com o alto espiritismo. O
próprio termo espírita foi usado para esconder nomes e para disfarçar os
praticantes da Umbanda de sua ascendência afro-brasileira, quase como uma nova
forma de sincretismo, tal qual a máscara católica que as religiões
afro-brasileiras se utilizaram nos tempos do cativeiro. Daí a denominação de
tantas Casas umbandistas tradicionais: Tenda Espírita Mirim, Tenda Espírita
Fraternidade da Luz, Tenda Espírita Estrela Guia da Umbanda, etc..
Os números de São Paulo,
apresentados pelo professor de Sociologia da Religião Lísias Nogueira Negrão
(livro Entre a Cruz e a Encruzilhada. São Paulo: Edusp, 1996), são um ótimo
exemplo: de 1929 a 1944 o número de centros espíritas kardecistas registrados
em cartórios representava 94% do total de unidades religiosas registradas,
contra apenas 6% das casas declaradas de Umbanda. Alguns anos depois, no
período de 1953 a 1959 (após a descriminalização), este número já havia se
invertido, com 68% de casas de Umbanda contra 31% de casas kardecistas.
O movimento umbandista ganhava
corpo e estruturava-se a fim de obter o status de religião brasileira. O
exemplo da FEB deve ter parecido a melhor opção para as lideranças umbandista
daqueles tempos. Criar uma federação para negociar com o Estado a
regulamentação da Umbanda, e consequentemente o fim da repressão ao culto,
inserindo assim a Umbanda na estrutura do Estado pela via institucional foi o
caminho escolhido. Em 1939 fundou-se a Federação Espírita de Umbanda, atual
União Espírita de Umbanda do Brasil. Zélio de Moraes, Benjamin Figueiredo,
Tancredo Pinto e outros se uniram em torno de um só ideal: tirar a Umbanda da
marginalidade, organizando-a como uma religião coerente e hegemônica e assim
obtendo sua legitimação social.
Esse grupo realizou então
o Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda em 1941, onde essas
lideranças apresentaram suas teses sobre a religião. A corrente predominante
trazia à sociedade uma Umbanda original e evoluída que existiria desde o
oriente, de onde teria se espalhado para a Lemúria (um lendário continente
perdido), e daí para a África, onde teria degenerado para o feiticismo, forma
que teria chegado ao Brasil pelos escravos negros. Assim, a influência africana
na Umbanda não era negada, mas olhada como uma corrupção da tradição religiosa
original, na sua fase anterior de evolução.
A defesa da nova definição
do termo Umbanda, reflete bem o pensamento dos intelectuais da religião, unidos
naquele primeiro congresso. Ali surgiu, pela primeira vez, a expressão
AUM-BANDHÃ do Sânscrito aume bhanda, termos que foram traduzidos como "o
limitado no ilimitado", "Princípio Divino, luz radiante, fonte de
vida eterna, evolução constante". Tal tese, apresentada pela Tenda
Espírita Mirim, é até hoje aceita por diversas correntes umbandistas.
Alguns estudiosos apontam
nessa primeira tentativa de consolidação da Umbanda forte tendência de
desafricanização e embranquecimento da Umbanda, uma vez que os demais líderes
das religiões Afro-Brasileiras foram excluídos desse encontro histórico. Alegam
também que a dita “lavagem branca” da origem da Umbanda pode ser encontrada em
denominações comuns à época, como umbanda pura, umbanda limpa, umbanda branca e
umbanda da linha branca no sentido de "magia branca". Termos que
contrastavam com magia negra e linha negra, associados com o mal.
Mas a verdadeira luta de
Zélio de Moraes, Benjamin Figueiredo e seus contemporâneos era pela
descriminalização da prática da Umbanda, o que viria a ser o maior feito
daquele Primeiro Congresso. Em 1944, essas mesmas lideranças umbandistas
apresentam ao então Presidente
Getúlio Vargas um
documento intitulado "O Culto da Umbanda em Face da Lei", conseguindo
que o governo brasileiro aprovasse a descriminalização da nossa querida
religião.
Blog fraternidadeumabandista
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