“Uma das maneiras de usar
a intuição é aprender a fazer silêncio para ouvir a sua voz”
O neurocirurgião Raul
Marino Jr., 68 anos, conhece o cérebro humano como poucos. Em 35 anos de
carreira, estudou-o, analisou as mudanças de comportamento relacionadas à sua
química e se preocupou em explicar os caminhos das emoções entre os 100 bilhões
de neurônios do órgão. Trabalhou em alguns dos melhores centros de pesquisa,
como o Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. Estudou
para entender o que acontece no cérebro durante as orações, transes e outras
práticas místicas. Na semana passada, Marino, professor de neurocirurgia da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, lançou o livro A religião
do cérebro (Ed. Gente), no qual resume as descobertas mais recentes sobre a
origem e os efeitos da experiência religiosa ou mística. “Fiz um depoimento
sobre o que existe e acredito, como, por exemplo, o fato de que somos dotados
de áreas cerebrais para que possamos nos comunicar com Deus”, disse Marino –
além de médico, cristão –, na entrevista concedida a ISTOÉ.
ISTOÉ – Qual a concepção
mais atual sobre o funcionamento do cérebro?
Raul Marino Jr. – Um dos
princípios da neurociência do comportamento é que nossas experiências são
geradas pela atividade cerebral. Assim, os sentimentos de amor, a consciência e
até a presença de uma divindade estão associados a eventos que acontecem no
cérebro.
ISTOÉ – E o que é a
neuroteologia?
Marino Jr. – Estudamos o
processamento das emoções relacionadas à religião, à espiritualidade, no
cérebro.
ISTOÉ – Como são feitos os
estudos?
Marino Jr. – Foram feitas
experiências com monges e freiras em clausura mostrando como e quando áreas
cerebrais se alteravam durante a meditação e a oração. Viu-se que, em estado
meditativo, eles apresentam alterações reais e detectáveis. Há mudanças na
química do sangue e das ondas cerebrais.
ISTOÉ – Qual foi, até
agora, o maior achado da neuroteologia?
Marino Jr. – Foi ter
encontrado, no cérebro, as áreas ativadas pela oração e pela meditação, quando
entramos em contato com o divino.
ISTOÉ – E quais são essas
regiões?
Marino Jr. – Uma das mais
importantes é o lobo límbico e suas conexões.
Lá estão estruturas que
nos ligam ao Criador e ao significado do mundo.
ISTOÉ – Seu livro descreve
experiências de estimulação de áreas do cérebro situadas no lobo temporal
direito, seguidas de reações que podem ser interpretadas como experiências
místicas. Pode explicar isso?
Marino Jr. – Durante os
últimos 15 anos, um importante pesquisador, Michael Persinger, aplicou campos
magnéticos sobre o hemisfério direito do cérebro de jornalistas, músicos,
escritores e estudantes. Todos referiram-se à sensação de uma presença ou ao
deslocamento para fora dos seus corpos. Uma das conclusões foi a de que crenças
sobre a existência de deuses são propriedades normais do cérebro humano, tendo
se desenvolvido em nossa espécie como funções para facilitar nossa
adaptabilidade. O autor mostrou a evidência de que certas experiências de cunho
religioso podem ser simuladas em laboratório. Isso não quer dizer, porém, que
elas sejam fruto do cérebro. A experiência mística é algo que vem de dentro. E
só o ser humano pode ter essa experiência divina. Só ele possui as estruturas
cerebrais capazes de processá-la.
ISTOÉ – De que maneira os
conhecimentos da neuroteologia podem melhorar o atendimento ao paciente?
Marino Jr. – Pode-se
usá-los em favor do doente. É como ajudá-lo a usar uma fonte de benefícios que
ele tem em si próprio, mas que muitos desconhecem.
ISTOÉ – Quais são esses
benefícios?
Marino Jr. – A vivência da
espiritualidade ajuda no bom funcionamento do organismo. As pessoas que têm fé
se recuperam melhor de tratamentos de doenças crônicas, por exemplo.
ISTOÉ – No livro, o sr.
afirma que a intuição é uma ferramenta que desprezamos cada vez mais. Como
usá-la melhor?
Marino Jr. – Uma das
maneiras é aprender a fazer silêncio para ouvir a sua voz. Ela não é alta e
clara, dizendo faça isso ou aquilo. É um sopro, um sentimento, uma certeza.
Isso depende de prática, de meditação, oração ou como você quiser chamar esses
momentos em que a pessoa se desliga da corrente dos acontecimentos e entra em
contato consigo e com Deus.
Fonte: IstoÉ – 17/08/2005
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