Pedimos a coisa certa nas
sessões mediúnicas?
O texto é um pouco
extenso, mas extremamente elucidativo e nos da uma visão clara dos pedidos que
ainda hoje nos deparamos em algumas sessões mediúnicas. Vale a reflexão
Descera a noite
totalmente, quando penetramos estreita sala, em que um círculo de pessoas se
mantinha em oração.
Várias entidades se
imiscuíam ali, em meio dos companheiros encarnados, mas em lamentáveis
condições, de vez que pareciam inferiores aos homens e mulheres que se faziam
componentes da reunião.
Apenas o irmão Cássio, um
guardião simpático e amigo, de quem o Assistente nos aproximou, demonstrava
superioridade moral.
Notava-se-lhe, de
imediato, a solidão espiritual, porquanto desencarnados e encarnados da
assembléia não lhe percebiam a presença e, decerto, não lhe acolhiam os pensamentos.
Ante as interpelações do
nosso orientador, informou, algo desencantado:
- Por enquanto, nenhum
progresso, não obstante os reiterados apelos à renovação. Temos sitiado o nosso
Quintino com os melhores recursos ao nosso alcance, mobilizando livros, impressos
e conversações de procedência respeitável, no entanto, tudo em vão...O teimoso
amigo ainda não se precatou quanto às duras responsabilidades que assume,
sustentando um agrupamento desta natureza...
Àulus buscou reconfortá-lo
com um gesto silencioso de compreensão e convidou-nos a observar.
Revestia-se o recinto de
fluidos desagradáveis e densos.
Dois médiuns davam
passividade a companheiros do nosso plano, os quais, segundo minhas primeiras
impressões, jaziam convertidos em criados autênticos do grupo, assalariados
talvez para serviços menos edificantes. Entidades diversas, nas mesmas
condições, enxameavam em torno deles, subservientes ou metediças.
O fenômenos da psicofonia
era ali geral.
Os sensitivos desdobrados
se mantinham no ambiente, alimentando-se das emanações que lhes eram
peculiares.
Raimundo, um dos
comunicantes, sob as vistas complacentes do diretor da casa, conversa com uma
senhora, cuja palavra leviana inspirava piedade.
- Raimundo – dizia - ;
tenho necessidade do dinheiro que há meses vem sendo acumulado no Instituto, do
qual sou credora prejudicada. Que me diz você de semelhante demora?
- Espere, minha irmã –
recomendava a entidade - , trabalharemos em seu benefício.
E a palestra continuava.
- A solução é urgente.
Você deve ajudar-me com ação mais expedita. Tente uma volta pelo gabinete do
diretor ranzinza e desencrave o processo... Você quer o endereço das pessoas
que precisamos influenciar?
- Não, não. Conheço-as e
sei onde moram...
- Vejo, Raimundo, que você
anda distraído. Não se interessou por meu caso, com a presteza justa.
- Não é bem assim...Tenho
feito o que posso.
E enquanto a matrona
baixava o tom de voz, cochichando, um cavalheiro maduro dirigia-se a Teotônio,
o outro comunicante da noite, clamando, indiscreto:
- Teotônio, até quando me
cabe aguardar?
A entidade, que parecia
embatucar-se com a pergunta, silenciou, humilde, mas o interlocutor alongou-se,
exigente:
- Vai para quatro meses
que espero pela decisão favorável referente ao emprego que me foi prometido.
Entretanto, até hoje!...Você não conseguiria liquidar o problema?
- Que deseja que eu faça?
- Sei que o gerente da
firma é do contra. Ajude-me, inclinando-o a simpatizar-se pela boa solução de
meu caso.
Nisso, outra senhora
ocupou a atenção de Raimundo, solicitando:
- Meu amigo, conto com o
seu valioso concurso. Sou mãe. Não me conformo em ver minha filha aceitar a
proposta de um homem desbriado, para casar-se. Nossa posição em casa é das mais
alarmantes. Meu marido não suporta o homem que nos persegue, e a menina revoltada
tem sido para nós um tormento. Você não poderá afastar esse abutre?
Raimundo respondeu,
subserviente, enquanto Quintino tomava a palavra, logo em seguida, pedindo uma
prece, em conjunto, a fim de que os desencarnados se fortalecessem para
corresponder à confiança do grupo, prestando-lhe os serviços solicitados.
Entendimentos e conversas
continuaram entre comunicantes e clientes da casa, todavia, não mais lhes dei
atenção, considerando-lhes o obscuro aspecto.
Em aflitivas
circunstâncias, vira obsidiados e entidades endurecidas no mal, através de
tremendos conflitos; contudo, em nenhum lugar sentia tanta compaixão como ali,
vendo pessoas sadias e lúcidas a interpretarem o intercâmbio com o mundo
espiritual como um sistema de criminosa exploração, com alicerces no menor
esforço.
Aqueles homens e mulheres
que se congregavam no recinto, com intenções tão estranhas, teriam coragem de
pedir a companheiros os serviços que reclamavam dos Espíritos?
Não estariam
ultrajando a oração e a mediunidade para fugir aos problemas que lhes diziam
respeito?
Não dispunham, acaso, de veneráveis conhecimentos para mobilizar o
cérebro, a língua os olhos, os ouvidos, as mãos e os pés, no aprendizado
enobrecedor?
Que faziam da fé? Seria justo que um trabalhador relegasse a outros
a enxada que lhe cabia suportar e mover na gleba do mundo?
Áulus registrou-me as
reflexões amargas, porque, generoso, deu-se pressa em reconfortar-me:
- Um estudo atual de
mediunidade, mesmo rápido quanto o nosso, não seria completo se não
perquiríssemos a região do psiquismo transviado, onde Espíritos preguiçosos,
encarnados e desencarnados, respiram em regime de vampirização recíproca.
Aliás, constituem produto natural da ignorância viciosa em todos os templos da
Humanidade. Abusam da oração tanto quanto menoscabam as possibilidades e
oportunidades de trabalho digno, porquanto espreitam facilidades e vantagens
efêmeras para se acomodarem com a indolência, em que se lhes cristalizam os
caprichos infantis.
- Mas, prosseguirão assim,
indefinidamente? – perguntei.
- André, sua dúvida está
fora de propósito. Você possui bastante experiência para saber que a dor é o
grande ministro da Justiça Divina. Vivemos a nossa grande batalha de evolução.
Quem foge ao trabalho sacrificial da frente, encontra a dor pela retaguarda. O
Espírito pode confiar-se à inação, mobilizando delituosamente a vontade,
contudo, lá vem um dia a tormenta, compelindo-o a agitar-se e a mover-se para
entender os impositivos do progresso com mais segurança. Não adianta fugir da
eternidade, porque o tempo, benfeitor do trabalho, é também o verdugo da
inércia.
Hilário, que refletia,
silencioso, junto de nós, inquiriu preocupado:
- Por que se entregam
nossos irmãos encarnados a semelhantes práticas de menor esforço? Há tantas
lições de aprimoramento espiritual, há tantos apelos à dignificação da
mediunidade, nas linhas doutrinárias do Espiritismo!...Por que o desequilíbrio?
Áulus pensou alguns
instantes e redargüiu:
- Hilário, é
imprescindível recordar que não nos achamos diante da Doutrina do Espiritismo.
Presenciamos fenômenos mediúnicos, manobrados por mentes ociosas, afeiçoadas à
exploração inferior por onde passam, dignas, por isso mesmo, de nossa piedade.
E não ignoramos que fenômenos mediúnicos são peculiares a todos os santuários e
a todas as criaturas. Quanto à preferência de nossos amigos pela convivência
com os desencarnados ainda imensamente presos ao campo sensorial da vida
física, incapazes ainda de mais ampla visão das realidades do Espírito, isso é
compreensível na Terra. É sempre mais fácil ao homem comum trabalhar com
subalternos ou iguais, porque, servir ao lado de superiores exige boa-vontade,
disciplina, correção de proceder e firme desejo de melhorar-se. Sabemos que a
morte não é milagre. Cada qual desperta, depois do túmulo, na posição
espiritual que procurou para si...Ora, o homem vulgar sente-se mais à solta
junto das entidades que lhe lisonjeiam as paixões, estimulando-lhe os apetites,
de vez que todos somos constrangidos a educar-nos, na vizinhança de
companheiros evolutivos, que já aprenderam a sublimar os próprios impulsos,
consagrando-se à lavoura incessante do bem.
- Mas não será isso um
abuso do homem encarnado? Não será crime parasitar os desencarnados de condição
inferior? – indagou Hilário.
- Isso não padece dúvida –
confirmou o instrutor.
- E esse delito ficará
impune?
Áulus fixou leve expressão
de bom humor e respondeu:
- Não se preocupem
demasiado. Quando o erro procede da ignorância bem-intencionada, a Lei prevê
recursos indispensáveis ao esclarecimento justo no espaço e no tempo, porquanto
a genuína caridade, sob qualquer título, é sempre venerável. Entretanto, se o
abuso é deliberado, não faltará corrigenda.
Vagueou o olhar sobre o
diretor da assembléia e sobre os medianeiros que incorporavam os comunicantes e
acrescentou:
- Teotônio e Raimundo,
tanto quanto alguns outros desencarnados da posição deles, e que aqui se
aglomeram, realmente são mais vampirizados que vampirizadores. Fascinados pelas
requisições de Quintino e dos médiuns que lhe prestigiam a obra infeliz,
seguem-lhes os passos, como aprendizes no encalço dos mentores aos quais se
devotam. Na hipótese de não se reajustarem no bem, tão logo se desencarnem o
dirigente deste grupo e os instrumentos medianímicos que lhe copiam as
atitudes, serão eles surpreendidos pelas entidades que escravizaram, a lhes
reclamarem orientação e socorro, e, mui provavelmente, mais tarde, no grande
porvir, quando responsáveis e vítimas estiverem reunidos no instituto da
consanguinidade terrestre, na condição de pais e filhos, acertando contas e
recompondo atitudes alcançarão pleno equilíbrio nos débitos em que se
emaranharam.
Ante a nossa admiração
silenciosa, o Assistente concluiu:
- Cada serviço nobre
recebe o salário que lhe diz respeito e cada aventura menos digna tem o preço que
lhe corresponde.
Logo após, Áulus
concitou-nos a partir.
O ambiente não encorajava
maior estudo e já havíamos assimilado a lição que ali poderíamos receber.
Livro: “Nos Domínios da
Mediunidade” Psicografia: Francisco Candido Xavier. Pelo espírito: André Luiz.
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