O bem deve vir ao mundo e
feliz daquele por meio do qual ele vem.
A caridade é a virtude
fundamental da Doutrina do Cristo. E por caridade, não quero me referir ao ato
de piedade que se costuma fazer pelos que sofrem; antes quero tomá-la no seu
sentido verdadeiro e amplo, grandioso mesmo, porque caridade significa amor.
A caridade é a virtude que
nos leva a amar ao próximo como a nós mesmos, isto é, sem restrições.
Não penseis que é caridade
tirar o dinheiro do bolso para depositá-lo no chapéu do desgraçado que se posta
à beira do caminho pelo qual passamos. Isto é esmola.
A caridade não é
ostensiva, não se impõe à gratidão de quem quer que seja. A caridade, sendo
amor, só com idêntico sentimento poderá ser retribuída.
Caridade é o elo
misterioso que prende as criaturas umas às outras, fazendo com que procurem
entre si aplainar as dificuldades que constantemente surgem no caminho, sempre
tão áspero, tão duro de trilhar!
Jesus, nos últimos
momentos que esteve com os seus Discípulos, não se cansou de repetir: “Meus
filhos, amai-vos uns aos outros, como eu vos amei. Pelo amor que tiverdes uns
aos outros, reconhecerão todos que sois meus discípulos”. É o seu último
mandamento.
Não se pode ser caridoso,
ou antes amoroso, sendo maldizente. Aquele que ama não pode comprazer-se em
dilacerar com os dentes o objeto do seu amor.
Todo aquele que não reage
contra a própria inferioridade e se entrega com deleite à maledicência é
indigno de fazer parte de uma comunidade de simples cidadãos, quanto mais de
umbandistas!
Santo Agostinho tinha em
tal horror os mexeriqueiros que mandou escrever na parede do refeitório do seu
mosteiro, em letras garrafais, os seguintes dizeres: “Aquele que se compraz em
destruir a reputação alheia saiba que é indigno de sentar-se a esta mesa”.
Imaginai agora o que se
poderá pensar de um que não contente de se meter com a vida privada dos outros,
ainda se julga com o direito de julgá-lo e condená-lo! E comumente trata-se de
pessoas às quais se deverá repetir as palavras de Cristo: “Hipócrita, enxergas
o argueiro no olho do teu vizinho e não vês a trave no teu olho”!
A caridade nos leva a ver
em cada um dos nossos semelhantes uma perfeita reprodução de nós mesmos; neste
caso, tudo o que devemos almejar é que cada um obtenha exatamente aquilo que
nos satisfaz e nos torna felizes.
Ninguém gosta de ver os
seus próprios sentimentos, mesmo os mais inferiores, espezinhados pela turba
inconsciente; não é de um perfeito Cristão humilhar aquele que, por fraqueza ou
fatalidade, é digno de lástima e que pelas circunstâncias a que foi arrastado
vive em contínua humilhação.
O homem é realmente o pior
dos animais, porque é o único que se serve da língua para ferir o seu
semelhante. Se assim não fosse, como a humanidade seria feliz! Porque se a
língua é instrumento que às vezes consegue ferir de morte, também é verdade
incontestável que pode com uma só palavra levantar o desgraçado que não tem
mais ânimo para reagir.
Uma boa palavra,
pronunciada no momento oportuno, pode levar a felicidade a milhares de
criaturas; uma palavra má pode destruir uma cidade inteira.
Se a caridade fosse uma
virtude perfeitamente enraizada no coração dos homens, este mundo deixaria de
ser o lugar de provação para ser o paraíso por que todos anseiam.
Não imaginemos que somos
os únicos detentores da Verdade e não amesquinhemos a forma diferente de amor a
Deus dos nossos semelhantes, julgando a nossa elevada e a deles inferior.
Tenhamos uma grande fé no
poder da caridade; pensemos sempre na nossa inferioridade sem par, quando
quisermos ferir os nossos irmãos com os nossos pensamentos, atos ou palavras;
façamos um grande esforço para atrair sobre nós um doce olhar de Jesus e creio
que conseguiremos vencer o nosso pequenino “eu” mesquinho, esmagando-o,
reduzindo-o a nada, mostrando-nos a nós mesmos tais quais somos, fazendo
ressaltar as nossas grandes imperfeições, todas as vezes que quisermos
arrogar-nos o direito, que só cabe à Divindade, de julgar os nossos
semelhantes.
Amemo-nos uns aos outros.
Só cumprindo o mandamento do Cristo é que poderemos ser dignos dele.
(José Alvares Pessoa –
Revista “O Semanário” – 1944)
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